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STF determina prazo para Congresso criar crime de retenção dolosa de salário

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o Congresso Nacional tem 180 dias para aprovar uma lei que criminalize a retenção dolosa de salário, quando o empregador, de forma intencional, deixa de pagar os vencimentos ao trabalhador. A decisão foi tomada pelo Plenário, que reconheceu a omissão legislativa em regulamentar um direito previsto na Constituição Federal de 1988.
O STF entendeu que a demora na criação da norma penal específica fere a proteção constitucional ao salário, prevista no inciso X do artigo 7º da Constituição. Atualmente, o não pagamento de salários é tratado na esfera trabalhista, mas não há previsão penal específica para esse tipo de conduta.
Congresso deve regulamentar crime no prazo estabelecido
O Supremo estabeleceu que a ausência de uma lei que tipifique a retenção dolosa de salário configura uma omissão inconstitucional. O relator do caso, ministro Dias Toffoli, destacou que o Congresso deixou de cumprir o dever constitucional de regulamentar o tema, mesmo após quase quatro décadas da promulgação da Constituição.
A decisão foi proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 82, ajuizada para exigir a regulamentação da matéria. Para Toffoli, a falta de previsão penal específica prejudica o trabalhador e enfraquece a proteção ao salário garantida pela Constituição.
Retenção dolosa de salário não é apropriação indébita
Durante o julgamento, o Senado argumentou que a prática de retenção dolosa de salário poderia ser enquadrada como crime de apropriação indébita, previsto no artigo 168 do Código Penal. A pena para esse crime varia de um a quatro anos de prisão, além de multa.
O Supremo rejeitou essa interpretação. Para o relator, a apropriação indébita não se aplica ao caso porque o salário só se torna patrimônio do trabalhador após o pagamento. Antes disso, o valor ainda está sob posse do empregador.
Além disso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu, no HC 177508, que o salário só integra o patrimônio do trabalhador quando é efetivamente pago. Por isso, o ministro Dias Toffoli ressaltou que é necessária uma tipificação penal própria para a retenção dolosa de salários.
Omissão legislativa é histórica
A omissão legislativa sobre a retenção dolosa de salário é antiga. Um dos primeiros projetos sobre o tema foi apresentado no Senado em 1989 pelo então senador Fernando Henrique Cardoso (PSDB/SP). A proposta previa as mesmas penalidades aplicadas à apropriação indébita.
O projeto chegou a tramitar na Câmara dos Deputados, mas ficou parado por mais de 30 anos e foi arquivado em 31 de janeiro de 2023 devido a mudanças regimentais. O arquivamento contribuiu para o reconhecimento da omissão legislativa pelo STF.
O ministro Toffoli destacou que a existência de projetos em tramitação não é suficiente para afastar a constatação da omissão, já que a Constituição exige a efetiva criação da lei penal.
Novo projeto de lei pode preencher lacuna
Após a decisão do STF, o deputado José Guimarães (PT/CE) apresentou o Projeto de Lei nº 2.565/2025, que busca criminalizar a retenção dolosa de salário. O projeto prevê pena de dois a cinco anos de prisão e multa para o empregador que, intencionalmente, deixar de pagar salários, remunerações ou benefícios dentro do prazo legal ou contratual.
O projeto ainda está em tramitação na Câmara e pode ser a solução para suprir a omissão identificada pelo Supremo. No entanto, especialistas alertam que há riscos de o Congresso não aprovar a nova lei dentro do prazo fixado.
STF pode prorrogar prazo ou pressionar Congresso
De acordo com o advogado trabalhista Jorge Matsumoto, sócio do Bichara Advogados, caso o Congresso não aprove a lei dentro dos 180 dias, o STF pode estender o prazo ou adotar medidas institucionais para pressionar o Legislativo.
“O Supremo pode, por exemplo, exigir relatórios periódicos de andamento do tema ou conceder nova prorrogação de prazo”, explica o advogado.
Matsumoto também destacou que, caso ocorra uma condenação criminal com base no crime de apropriação indébita em situações de retenção dolosa de salário, o réu poderá recorrer com chances de sucesso. Isso porque o STF já afastou a aplicação dessa tipificação para o caso, o que pode favorecer a retroatividade de lei penal mais benéfica.
Casos graves podem ser enquadrados como trabalho degradante
Em situações mais graves, algumas práticas de retenção dolosa de salário vêm sendo enquadradas como trabalho degradante, o que pode configurar redução à condição análoga à de escravo, crime previsto no artigo 149 do Código Penal.
Segundo o advogado criminalista Berlinque Cantelmo, sócio do RCA Advogados, o entendimento de trabalho degradante tem sido utilizado para punir condutas que prejudicam gravemente as condições de vida do trabalhador.
“Nesses casos extremos, é possível o enquadramento como crime mais grave, principalmente quando a retenção do salário compromete a subsistência do trabalhador e sua família”, afirma Cantelmo.
Impactos da criminalização da retenção dolosa
A aprovação de uma lei penal específica para a retenção dolosa de salário pode alterar a dinâmica das relações de trabalho no Brasil. Atualmente, o trabalhador conta com proteção da legislação trabalhista e pode buscar indenizações por meio da Justiça do Trabalho ou da atuação sindical.
De acordo com a advogada Luciana Codeço, sócia do Codeço Rocha Advogados, a inclusão da conduta como crime poderá criar um novo canal de proteção institucional ao trabalhador.
“A lei penal poderá fortalecer a defesa dos direitos dos empregados e ampliar as alternativas para coibir práticas abusivas”, analisa.
Para o setor empresarial, a mudança exigirá atenção às rotinas de pagamento e pode resultar no aumento da fiscalização sobre o cumprimento das obrigações trabalhistas.
O que diz a legislação trabalhista atual
Mesmo sem previsão penal, a legislação trabalhista já protege o trabalhador contra o não pagamento de salários. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) determina que:
O salário deve ser pago até o 5º dia útil do mês subsequente ao trabalhado (artigo 459, §1º);
O não pagamento permite a rescisão indireta do contrato de trabalho (artigo 483, alínea “d”);
O atraso no pagamento de verbas rescisórias gera multa para o empregador (artigo 477, §8º).
Essas normas asseguram o direito ao pagamento pontual, mas não criminalizam o empregador que retém salários de forma dolosa.
Caminhos possíveis após a decisão do STF
A decisão do Supremo abre duas possibilidades para o Congresso:
Aprovar o Projeto de Lei nº 2.565/2025 ou outra proposta que criminalize a retenção dolosa de salário;
Descumprir o prazo de 180 dias, o que poderá levar o STF a adotar medidas para forçar o andamento legislativo ou ampliar o prazo.
Até que a nova legislação seja aprovada, especialistas recomendam que empresas e profissionais da área trabalhista acompanhem as discussões no Congresso e orientem seus clientes sobre os impactos jurídicos e operacionais da possível mudança.
Fonte: Contábeis